domingo, 24 de setembro de 2017

O exército dos insensatos



                                             " À dança dos parvos eu me uno, colocando-me na dianteira do desfile, pois vejo ao meu redor uma montanha de livros que não leio e nem consigo entender."
(A nau dos insensatos - Sebastian Brant)



Batalhões inteiros sem armas
sem voz e sem comando
professores sem sala
operários sem fábrica
camponeses sem terra

não sabem contra quem lutar
o inimigo sabe se esconder
está disfarçado, de tocaia
na igreja, no clube, na festa
na escola, na família, na tv

exército de maltrapilhos
tristes, cegos e medrosos
ainda não aprenderam
nem se atreveram
a divisar e desnudar o inimigo

nem sabem que são soldados
não sabem que a guerra
é real, e irmãos estão morrendo
o inimigo avança a cada dia
e já está na porta de casa

o barco está afundando
e eles continuam cantando
jogam livros e bandeiras ao mar
acreditam em falsas promessas
não sentem os pés molhados

estão defronte ao monitor
convictos de ser esta
uma guerra de palavras
travada com o indicador
no aconchego da internet.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Mensagem de natal de um pretenso comunista



Eu não gosto de natal
Nem de papai noel
(Esse velho filho da puta)
Mas eu gosto das pessoas
E as pessoas gostam do natal
Parece que essa comunhão
De sentimentos e desejos
(Nem sempre sinceros)
Acaba tornando a cidade
Mais leve, tolerante
Os sorrisos mais fáceis
Uma quase-paz timidamente
Se desenha
(Mesmo que amanhã estejamos nos matando)
Mas a cidade é feita de tribos
E na minha tribo impera a harmonia
Na minha tribo impera a amizade
Na minha tribo impera a esperança
Na minha tribo
As pessoas são camaradas
E, paradoxalmente,
As pessoas gostam do natal
E eu gosto das pessoas
E do natal da minha tribo.

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Cachaça



Em tudo que penso, ensaio, faço
Fica um resumo, uma essência
Fica o que de mim, destila a vida
Fica o que falo, leio, escrevo
Essa aguardente do coração
Esse mosto de cascas e sementes
Que embriaga quem se aproxima
É composto de livros e olhos
De letras, línguas e mentes
De lembranças (sementes)
E é curtido na vivência da palavra
Na errância do caminho
Nos calos da estrada
Na constância dos propósitos
No descrédito do destino
O que me faz caminhar
É sentir que o torpor, a embriaguez
Estão sempre a me levar

De volta ao começo...

A poesia fez que foi e acabou não "fondo"...

Camaradas,
Depois de longo e tenebroso in(f)verno intelectual, no qual pastavam juntos o cavalo descontente e a vaca carente, tentarei de nuevo mostrar mais alguma coisa procês. Nem sei se conseguirei, pois com essa porra toda acontecendo, a inspiração acaba indo para o beleléu. Vou usar esse blog, também como diário, ou semanário, ou mensário, ou o caralho, tentando, além de escrever um pouco de poesia, mostrar a merda em que se encontra minha cabeça, ou não se encontra, perdeu-se de vez...sei lá, vamos seguindo...

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Cena de buteco


O axé se arrasta
irritantemente
letra infinda
melodia única

Um casal para, olha
mesa na calçada
- cerveja e maria-mole

beijo e morte sobre a geladeira
corte
dezenas de policiais cercam
um grupo de professores
na grande avenida
um grito:
porra zé, desliga essa merda
e aumenta o som do axé
... e a paz volta a reinar no buteco

Algo



Nada  além de massa,
algo de ato e pouco de coisa
a ouvir, provar,  enxergar
definir o que, pelos sentidos
apresenta-se

Bicho movido a sons
tento mostrar-me ao mundo, que não
em nenhuma atmosfera, me faz respirar:
Sufoco, engasgo, ato, retrato...

 muito se faz, tudo e nada
perdição, caminho, atalho, estrada
desejo de andança, cama, descanso
atraso e descaso

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Cidade Solidão 2



Liège, 09/2015 


Esta cidade tem muito disto:
Solidão de quintais e ventos
Desencontro de sorrisos e gestos
Línguas e pensamentos
...
A nudez da poesia tem o dom de ferir o verbo
Abraçar o errado e desafiar o certo
Mas, ainda assim, o poeta está só
E o gosto salino impregna o seu poema
Molha sua boca e derrete a tinta das palavras.




terça-feira, 10 de março de 2015

Visões da calçada



Esperar, esperar

Brisa de gente, cheiro de pão
Homens a cavar intermináveis subterrâneos
(Túneis de nenhum lugar)
Semáforos direcionando o fluxo do monóxido
Gente com pressa, gente desconexa
E a roda do mundo a girar

Devagar,
Cada dia mais

Devagar


sábado, 15 de novembro de 2014

Um Blues, um vinho


09/2019
O momento é de poesia
E o poema pede nostalgia
Pede uma dose de lirismo
Pede infortúnio, pede carinho
Pede um blues e um vinho
Um blues para curar
Essa ressaca de amor
Um vinho para serenar
Essa sede de paixão
Essa falta de calor
Esse frio de solidão
Essa trava na garganta
Essa procura, tanta
Insana
Feroz
Por favor!
Um blues no ouvido
Um vinho no sentido
...
Às vezes um blues
Às vezes um vinho

Às vezes os dois.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Meia-vida


09/2014
Uma vida inteira
Terrena sem terreno
Retirante, mutante, causticante
Uma vida inteira
Sem eira nem beira
Arrabalde, herdade
Incapaz cidade
Uma vida inteira
Olhando e esperando
Cansado, atado, plantado,
Fracassado
E a vida inteira
Passando, parada, passada,
Escorrendo, escarrada
Encardida
Uma inteira meia-vida
fodida


segunda-feira, 21 de abril de 2014

Rabiscos


(para Gabriel)



Letra por letra,

penso formas, crio palavras,

(encontro aquela parte perdida do quebra-cabeças).

Vou mostrando no papel, sentimentos

alegrias e tormentos.

Nos rabiscos bêbados,

na dificuldade do aconchego,

vejo, ouço, escrevo o que sinto

de flor, de amor,

de ternura e infinito

de água e fogo

de concreto e abstrato

sorte e jogo

sonho e ato

e quase sempre

o que tenho de fogo

é o que tenho de sonho

e sonho é lugar

é vida e é vida

é tentar

e tentar.

tentar até não haver mais tentativa

insistir até que se finde toda insistência

viver para subverter a palavra viva

até a ciência tornar-se deus

até deus tornar-se ciência.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

No fim, assim

Airton Mendes
(11/2013)
a vida que me dei
se não a que pensei
também não foi a que tentei

tentei ser homem
e acabei menino
tentei ser igual
e acabei plural

tentei ser rico
e acabei companheiro
tentei ser alegre
e acabei sem dinheiro

tentei ser errante
e acabei cidadão
tentei ser amante
e me enredei na paixão

tentei ser pai
e acabei amigo
tentei ser solitário

e morrerei contigo

sábado, 25 de maio de 2013

buteco do Almir

Airton Mendes (04/2013)

a hora,
se existe
fica do lado de fora
aqui, mecânicos, professores,
drogados, aposentados,
poetas e policiais
estão irmanados pelo bairro,
pela infância
e pela constância

e o Almir tem sempre

a melhor cerveja...

quinta-feira, 23 de maio de 2013

porvir



Airton Mendes 05/2013
cacos,
prelúdio
e prenúncio.
de cacos,
a vida
(caquética)
:prelúdio de agonia
-prenúncio
de que
brada 
sinfonia?

domingo, 13 de janeiro de 2013

A necessária solidão



Airton Mendes (03/2012)
O prazer de levar o barco
de volta para casa
de contemplar a tarde morna
de sentir os pés molhados
de conversar com os peixes

O caminho pela praia é longo
tanto melhor
o tempo é meu amigo
o tempo e a solidão
casal de amigos
sempre presente

A lua mergulhou no mar
e o único sinal da minha pegada
é um reflexo prateado
que dura até o próximo passo

Próximo ao cais um navio ancorado
é um grande cargueiro
terá trazido alimentos?
roupas? máquinas? bugigangas?

Não importa
ele não é maior que meu barco
nem seu trajeto
é mais longo que o meu
e nem a sua sina
melhor que a minha