segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Hilda Hilst



   Prazer diverso tenho ao ler a poesia de Hilda Hilst. "Limpa e direta", de outra, lírica e de uma profundidade singular. Foi paixão fulminante e arrebatadora.
   Aqui, um pequeno trecho de "Heróicas" (Ode Fragmentária, 1961)

...
Ah, deidades,
O vosso riso inflama
Ainda mais
O passo de quem ama.
De coração ardente
Eis-nos aqui.
Não haverá magia
Nem vertente
Nem secreto conluio
Nem labareda clara
Ostentando uma rosa
Que não a preclara,
Que cegue o entendimento
Ou que vacile o andar.
Somos a um mesmo tempo
Rio e mar.
Na laringe e no peito
Renasce cada dia
Um estigma de luz
Um signo perfeito
E nada nos escurece a mente ou nos seduz.
...


quarta-feira, 12 de setembro de 2012


VICENTE HUIDOBRO


ARTE POÉTICA 
Tradução de Anderson Braga Horta
Que o verso seja como uma chave
Que abra mil portas.
Uma folha cai; algo passa voando;
Quanto fitem os olhos criado seja,
E a alma de quem ouve fique tremendo.

Inventa mundos novos e cultiva a palavra;
O adjetivo, quando não dá vida, mata.

Estamos no ciclo dos nervos.
O músculo pende,
Como lembrança, nos museus;
Mas nem por isso temos menos força:
O vigor verdadeiro
Reside na cabeça.

Por que cantais a rosa, ó Poetas!
Fazei-a florescer no poema.

Somente para nós
Vivem as coisas sob o sol.

O Poeta é um pequeno deus.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Luizão e Gimenez



Airton Mendes ( 07/2012)
Gimenez era baixo, magro, aleijado
fumava muito
também muito falava
e falava bem
(inteligente esse Gimenez)

Luizão era como o nome
alto e forte
curto no falar
e era amigo
(um amigo valia a vida)

Lembro uma noite bêbada
estávamos atrasados
(talvez para o último bar)
Luizão não esperou
o caminhar torto do Gimenez
jogou o amigo-pluma nas costas
e correu, correu
(bem mais que eu)

Gimenez dava conselhos
e Luizão seguia
(quase sempre)
pouco vi Gimenez bêbado
mas Gimenez bebia
(quase sempre)

Um dia Gimenez
deu um abraço de lágrima em Luizão
ombro molhado, sem entender
Luizão foi beber.
Sem Luizão,Gimenez bebeu também

Gimenez bebeu, bebeu e bebeu
à falta do amigo carregador
chegou com dificuldade em casa
cigarro aceso à boca,
deitou-se
dormiu
e morreu queimado

mais tarde, Luizão morreu também
de razão outra
mas nem tanto
porque, se de morte matada
o amigo vale a vida
de morte morrida
vale bem
parte dela

quinta-feira, 24 de maio de 2012

tanto




Airton Mendes (23/05/2012)

todas as
        atitudes não tomadas

        brigas postergadas

        palavras não usadas
(e todos os olhares desviados)



todos os etílicos sorrisos tortos
toda a covardia guardada no peito
toda a minha irritante falta de jeito
(e todo meu desprezo pelos mortos)

toda a esmola negada nas ruas
todo o vacilo no momento preciso
toda a pressa do meu ser indeciso
(e todo o medo das palavras nuas)

toda a minha falsa fadiga
todo o meu eterno mal humor
toda minha falta de rigor
(e toda a minha imensa barriga)

todas as  mentiras que invento
toda a raiva adormecida
todas as pessoas esquecidas
(e todo o excesso de alimento)

por fim, as frases mal-feitas
os versos capengas
as rimas de pé quebrado

e todos os malditos pedidos de desculpas

sexta-feira, 23 de março de 2012

A canção


Airton Mendes (02/2012)

Eu procuro uma canção
               que me alente a alma
               reanime meus olhos
               desperte minhas mãos
               ressuscite meus pés
E liberte a poesia

Preciso de uma canção

que abrace os amigos
que procure os olhares
que invada os ouvidos
que ouça os falares

que trabalhe o cansaço
que destrua o contrato
que concretize o espaço
e dê forma
e dê vida
                ao abstrato

Eu quero a canção

da luta da vida
da chama contida
da eterna esperança
da utópica aliança

dos novos caminhos
dos velhos moinhos
do beijo reprimido
do ouvido no ouvido
no ouvido
nu
ouvindo





domingo, 18 de março de 2012

SER E ESTAR

Mario Quintana

A nuvem, a asa, o vento,
a árvore, a pedra, o morto...

tudo o que está em movimento,
tudo o que está absorto...

aparente é esse alento
de vela rumando um porto

como aparente é o jazimento
de quem na terra achou conforto...

pois tudo o que é está imerso
neste respirar do universo

-ora mais brando ora mais forte
porém sem pausa definida-

e curto é o prazo da vida...

e curto é o prazo da morte.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Amigo virtual

Airton Mendes (02/2012)
Eu tenho um amigo
que não é meu amigo
mas é como se fosse.

Ele mora na Califórnia
(e eu nunca fui à Califórnia).

É um amigo virtual
mas que existe.
Ah, maravilhas do computador!
Um amigo de teclado
alguém que nunca vi
nunca troquei palavra
mas se mantém ligado a mim
pela poesia

Acho que gostaria de conhecê-lo
(ou não)
será que ele gosta do que escrevo?
será que só lê
para passar o tempo?
(tem tanta coisa no pc...)

Todo dia procuro
pelo meu amigo da Califórnia
quero ver se ele leu
o que escrevi
talvez nem leia
só me conecte por brincadeira
distração
sei lá...

Pois é, Chaplin, são tempos modernos!
são amigos que não vejo
são pessoas que não conheço
são contatos que desejo
daquele clic que não esqueço

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

hiato

Airton Mendes (02/2012)
Há sempre uma lacuna
uma fenda
hiato não preenchido
no poema

Entre a paixão cantada
e o amor construido
entre a vida sonhada
e a rotina prevista
entre a jura de sangue
e o amigo ausente

Entre o necessário
e o real
entre a poesia
e o aço
entre a ilusão
e o espaço
entre a mão
e o papel

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

considerações à "cerca" da vida

Airton Mendes (01/2012)

vivo a vida
como ela vive em mim
e assim é
como que
uma existência à parte
minha vida
(que não é minha)
reside em mim
faz uso deste corpo
mas as palavras são dela
as ações são dela

o que é meu, afinal?
nada
pois o corpo, a matéria
também não me pertence
talvez pertença ao mundo
talvez a um amor
ou a um assassino
bala perdida
doença esquecida

e viver uma vida
que não é minha
não é fácil
exige cuidado, exige mestria
exige entender
o que quer a vida
viver

assim, comigo nela
e ela em mim
vou tentando traduzir
os seus sinais
mostrando seus sorrisos
e seus ais
e na função de ator
traduzir com o corpo
o que ela tem de melhor