terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Divagações Etílicas



Airton Mendes (12/2009)

Prazer e rotina

Os verdadeiros prazeres
Tão delicadamente puros são
Que por vezes parecem inexistir
Em meio ao turbilhão de sensações
Aos quais diariamente amarra-nos
A rotina.

...............


Sentimentos canibais

A cada bocada
Vem uma mastigada
E da bocada dada
Quase nunca sobra nada

.................


Utópico

Quisera não ter minha poesia
Traduzida em simples poema
Ressequida, prensada,
Reduzida, condensada
Na bi dimensionalidade
Do papel

..............

Delivery da crise

Demoraram 50 anos
Para entregar
2 trilhões de dólares
Para os pobres.
Em menos de 1 ano
Entregaram
18 trilhões de dólares
Para os ricos


sábado, 28 de novembro de 2009

Dois pequenos tesouros de Manuel Bandeira

O IMPOSSÍVEL CARINHO

Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo
Quero apenas contar-te a minha ternura
Ah se em troca de tanta felicidade que me dás
Eu te pudesse repor
-Eu soubesse repor-
No coração despedaçado
As mais puras alegrias de tua infância!


O ÚLTIMO POEMA

Assim eu quereria o meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intensionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação

sábado, 21 de novembro de 2009

Cinquenta Anos

Para “seu” Amaro e “dona” Graça em
homenagem às suas bodas de ouro

Airton Mendes (11/2009)


Como medir o amor?
Como definir o companheiro?
Senão pelo suor derramado
Senão pelo tempo passado
Na luta diária no mesmo trabalho
A união expressa na comunhão
Dos calos formados nas mãos

Existe maneira mais concreta
De se quantificar o amor?
Senão pela forma correta
Da medida do suor?
Senão pelo tempo passado
Alegrias e tristezas lado a lado?

Que são cinqüenta anos?
Um grão de areia na medida do mundo
Mas, quantas histórias, quantas lembranças,
Quantas pessoas, quantas andanças
E isso é vida!É a certeza de se ter
Tanto caminho percorrido
E tanto mais a percorrer.

A hora é esta!
Um momento tão raro
Pede alegria, pede festa
Pede vivas a “seu” Amaro
E outros tantos vivas à “dona” Graça
Pois da vida, este é o sentido:
Quando um ser ao outro abraça,
Quando tudo é dividido.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Um pouquinho

Airton Mendes
(10/2009)

Toda poesia deixa um pouquinho
Na vida da gente
Seja um sentimento de carinho
(esse, só quem é poeta sente)
Seja talvez uma desilusão
Por achar que no poema, agora,
Estaria em palavras a solução
Para o que não foi dito naquela hora

De toda poesia
Alguma coisa fica
Seja na ira contida
Seja na calma explícita
Seja no calor da paixão
Seja no agravo do coração
Seja na rotina do dia
Seja no sonho das armas
Seja no abraço amigo
Seja no ódio incutido...

Sim, toda poesia deixa alguma coisa...

Pena eu, naquele momento,
Ter esquecido a bela poesia
Que tão bem traduzia
Todo meu sentimento...

domingo, 4 de outubro de 2009

Metade


Airton Mendes (09/2009)

(Paixões, tantas
Amores...quantos?)

Bom é estar apaixonado!
Paixões nos renovam, nos motivam
Novas paixões nos mostram
Novos caminhos
Grandes paixões significam
Grandes mudanças

Amor é complicado
Exige respeito
Exige partilha
Exige estar ao lado
Mas, quem é que não quer
Amar e ser amado?

Paixões passam
Amores ficam
Paixões são ondas
Amores são rochas
Paixões vão
Amores são

Vida é paixão
Vida é amor
Metade paixão
Metade amor
Metade caminho
Metade Respeito
Metade mudança
Metade partilha
Metade razão
Metade coração

E, no final das contas,
Percebe-se:
De qualquer metade
Se faz o TODO!

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Cuidado! Homem na pista

Airton Mendes (07/2009)

O Homem avança na pista
Olhar de pavor e mãos à cabeça
Tenta agarrar os carros
Que dele, em fuga, se desviam

Homens fantasiados de carros
Carros que engolem homens

Porque os carros fogem do Homem?
Os homens temem o Homem?
Os homens temem sujar a roupa?

Homens vestidos de carro
Carros com medo do Homem
Homens com medo do Homem
Homens vestidos de medo!

DUAS VEZES DRUMMOND

INOCENTES DO LEBLON

Os inocentes do Leblon
não viram o navio entrar.
Trouxe bailarinas?
Trouxe emigrantes?
Trouxe um grama de rádio?
Os inocentes, definitivamente inocentes, tudo ignoram,
mas a areia é quente, e há um óleo suave
que eles passam nas costas, e esquecem.


MUNDO GRANDE

...
Fecha os olhos e esquece.
Escuta a água nos vidros,
tão calma. Não anuncia nada.
Entretanto escorre nas mãos,
tão calma! Vai inundando tudo...
Renascerão as cidades submersas?
Os homens submersos-voltarão?
...

Carlos Drummond de Andrade (em "Sentimento do Mundo" - 1940)

quinta-feira, 25 de junho de 2009

O PLANTADOR

(em memória de Osvaldo Terra )
Airton Mendes (junho de 2009)


Que de terra foi tua vida
De terra, tuas palavras
De terra, teu sorriso
De terra, o teu nome

De terra sempre foram teus caminhos
De terra serão os caminhos de teus filhos
Que com você aprenderam a andar descalços

E por teres sido
Da terra, o plantador,
Da terra tão raiz,
À terra tanto amor,

Quis a Terra ter-te mais perto dela,
Talvez para que, feito adubo divino,
Fertilizasses o chão d
e onde deve nascer
O Homem Novo.

domingo, 31 de maio de 2009

CATADORES DE SONHOS

Airton Mendes (05/2009)
Recolher os restos
As sobras do progresso
Migalhas da grandeza
Não foram para baixo do tapete
Tanto incomodam agora
E sempre, e sempre

Roupas que outros corpos vestiram
Sapatos de outros pés
Cigarros de outras bocas
Governos de países distantes
Se mostram na parede
E sempre, e sempre

A vida vai passando
Vai o dia, vem a polícia
Vai a noite, vem a fome
Vão os carros, vem o frio
Amanhã tudo se repete
E sempre, e sempre

Os sonhos, todos eles,
Vão dentro da carroça
Que vazia está
Sempre.

Incidências

Airton Mendes (05/2009)


A poesia me prende à vida
Como ao dono está preso o cão
Como a morte prende o suicida
Como o amor prende o coração

A vida me mostra a liberdade
Como liberto deve ser o povo
Como a criança na tenra idade
Como necessário é o desejo do novo

A liberdade me mostra o caminho
Por onde devem passar meus companheiros
Pois sem eles o poeta está sozinho
E o caminho se perde por inteiro

Pois caminho só existe
Se o povo por ele caminha
E a trilha ao tempo resiste
E a poesia nunca estará sozinha

sábado, 4 de abril de 2009

ODE AO BURGUÊS

Mário de Andrade (em “Paulicéia Desvairada” – 1922 )

Eu insulto o burgês! O burguês-níquel,
o burguês-burguês!
A digestão bem feita de São Paulo!
O homem-curva! o homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!

Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampiões! os condes Joões! os duques zurros!
que vivem dentro de muros sem pulos,
e gemem sangues de alguns mil-réis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam os "Printemps" com as unhas!

Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará Sol? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais
o êxtase fará sempre Sol!

Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais!
Morte ao burguês-mensal!
ao burguês-cinema! ao burguês-tílburi!
Padaria Suiça! Morte viva ao Adriano!
"_ Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
_ Um colar... _ Conto e quinhentos!!!
Mas nós morremos de fome!"

Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!
Oh! purée de batatas morais!
Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados!
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante!

Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!

Fora! Fu! Fora o bom burguês!...

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Caminho

Airton Mendes (01/2009)
Voa, meu pensamento
E nas asas da poesia
Vá à procura do alimento
Que é teu sustento e tua guia

De que precisas, meu pensamento,
Para voar com essas asas?
-Para mostrar meu sentimento
Vou em busca das palavras

Te basta o verbo, a palavra nua
Para neste vôo liberto seguir adiante?
-Preciso de novos olhos para ver a rua
Onde passa a minha sina de caminhante

De algo mais ainda precisaria?
Amigos, amores, guarida, carinho?
-Tudo isto é o alimento da poesia
É o que vou colhendo no caminho

Querido pensamento, me diga ainda,
Onde vai dar tão longa caminhada?
Onde termina esta trilha tão linda?
Terá ela um ponto de chegada?

-Te respondo, com os olhos a brilhar,
Com o que colhi nos campos da vida,
A caminhada se faz ao caminhar,
E não há chegada, só partida.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Soneto à mulher amada

Airton Mendes (12/2008)
Amo-te mais a cada dia.
Que nunca finde o que sinto.
Nem seque a fonte que irradia
Tanta beleza e carinho infinito.

Penso às vezes estar delirando
E, nesta viagem insana.
Ver-te linda e impassível pairando
Por sobre a hipocrisia humana.

Porque assim és, amor meu:
Soberano e supremo ser
Que no dia certo se fez presente.

Agora és minha e sou teu.
Morto, me fizeste renascer
Nesta vida de poesia permanente.